domingo, dezembro 23, 2012

“para fingir o sono junto ao teu”, in “Lisboa (4), “Horto de incêndio” de Al Berto
   Invento que dois ou três pássaros me acompanham, nesta noite sombria. Invento o que me dizem e o que, quase, parecem dizer e para lá das palavras, eles não podem ser pássaros: primeiro porque tudo não passa de uma invenção minha, para afastar a solidão e o negrume, que assombra, noite adentro um coração sensível. Pois os pássaros não voam na noite; apenas nesta dos meus sonhos.
   Segundo porque os pássaros não gesticulam palavras mas gosto de os imaginar assim, nesta noite. Imagino, então, que durmo perto desse rio onde limpas o rosto, durante a mesma noite, que a minha, inconscientemente limpam-se rostos durante tépidas noites – poucos sabem. Eu sei ou invento.
      Invento-me nas palavras e entrego-me nas asas dos pássaros; já não o são: imagino-os, agora, um coro de anjos, cujas asas meio quebrada me acompanham nestas invenções noctívagas (talvez pela solidão que os anjos também sentem) e escondo tantas outras invenções.
    Uma música, um pedaço de tecido fino (Cambraia) porque as asas aquecem, mesmo meio quebradas; imagino anjos e eles, tudo podem – Anjos de Amor, de Luz.
  Imagino-te no mesmo rio, não sei se avistas os mesmos pássaros que vejo, devagar, um a um. Não sei se falam contigo, se te sussurram palavras ou se, apenas, eu os invento. Desse lado, deste mesmo rio pouco quero inventar. Invento-me no meu, miragem desse lado teu.
 Invento pássaros, nesta margem, e tudo para “fingir o sono junto ao teu”; sono meu.
“Quando o sono demora, imagino e invento o limite das palavras e nas asas de um Condor, abraço-te – ainda mais.” de Sandra Maria Ferreira

domingo, dezembro 16, 2012

“Os homens parecem-se com os rios: todos são feitos dos mesmos elementos, mas ora são estreitos, ora rápidos, ora largos, ora plácidos, claros ou frios, turvos ou tépidos. “

Leon Tolstoi, in "Ressurreição"
Rio. Rio. Rio. Frio. Frio. Frio. Enésima vez. Enésimas vezes: frio. Tanto.
A incerteza dos atos; a insurreição da inquietude. O gesto revalorizado, na imparidade de Sentir.
Sinceridade. Sinceridade. Sinceridade. O coração afasta-se da pusilanimidade e apenas abraça beleza.
De que se faz o Homem? De que é feito o Amor? Assustam todas as coisas que o dia seguinte ao hoje pode calar. Epitáfios de Amor? Quem coloca epitáfios no Amor, sabe que ele nunca existiu: porque exige cuidados; aprimoramento. Sobrevive como um feto, sob o gelo, no cume da mais alma montanha mas carece, imperativamente, de ser contemplado.
O que não foi, nunca será; porque nunca o é.
Amar-te. Amar-te. Amar-te todas milésimas que compõem o dia e o dividem em partes iguais mas amar-te com sinceridade ultrapassa as milésimas do Tempo: transcende-o; vive-se fora dele. Mergulha-se num rio de águas puras; se lodo existe, tem de ser transmutado. Transfigurem-se as noites em dias.
As vezes necessárias (todas elas) e grite-se o Amor na rua. Ele, apenas, existe quando sincero.
“As dores do mundo – como título emprestado, quando o coração pede.” de Sandra Maria Ferreira