sexta-feira, agosto 21, 2009

A Morte da Rosa nas mãos da Princesa

O desgaste torna a luz num espectro: ainda com beleza. Um coração imenso não perde jamais o amor nas adversidades: acrescenta-lhe sementes do que poderá germinar (noutro lugar, espaço sem tempo): esperanças. Só um coração pleno pode amar de forma desigual. Amar o espectro como a luz que um dia foi sem esquecer no que hoje é: um espectro. A imparidade do bem-querer mora na beleza dos céus cinzentos, nas brumas, no que cai no esquecimento para todos menos para o que tem um coração cheio.
Durante a vida o espírito do lobo visitara-a, noite após noite, velando o seu sonho: olhando-a apenas, ainda que de forma triste e solitária.
_ “Os anos passaram e com eles as pétalas da rosa vermelha, que te coloquei nas mãos, gelaram sem murchar.”
O lobo envelheceu solitário.


As recordações ferem como o clarão intenso, na escuridão, dos eclipses de fogo quando visitam um Ser. As recordações são setas frias que um olhar solitário e que não se deixa ver, vai lançando.

O lobo também sentiu, dia após dia, as lembranças quando partiste e incendiaste o mundo na escuridão.
Esta mensagem está sendo escrita nas asas de um negro Condor para que a liberdade das almas do Lobo e da Princesa possam sentir paz e repousar. Ao Condor, de tamanhos sentires, foi concedida a imortalidade para este desejo realizar: voar, transmitindo o Sentir, sem parar.
Serena. Em silêncio. Na solidão repousava a princesa. Olhos cerrados com afinco. Cabelos soltos. Vestido branco de seda fina. Pés descalços, com saudade de te encontrar. Nas mãos colocaste-lhe uma rosa vermelha cujas pétalas abriram com o húmus dos dias. Ao chegares ao pé dela, tu lobo solitário, viste uma lágrima o rosto da princesa lavar, como quem expurga sentidos acorrentados e se despede da Terra, para sempre.
Porque o Amor é um cálice de amargura quando os lobos se desencontram.

6 Comments:

Blogger Wanderley Elian Lima said...

Obrigado pela visita ao meu blog. Quando puder volte. Belos textos você postou. Parabéns.
Um abraço

12:29 da manhã  
Blogger Joe said...

Olá e obrigado pelo comentário! Assim que tiver mais tempo, vou ler a fundo os seus blogs e também dar a minha opinião sobre eles ;)

2:10 da tarde  
Anonymous A Magia da Noite said...

haverá sempre um grito, um chamado da alcateia para que regressem ao lugar de partida.

11:42 da manhã  
Anonymous entremares said...

- O chá está pronto... – gritou uma voz, ao longe.

Só podia ser a “sua” Alzira.
Como conseguia ela ainda gritar com aquela energia, apesar dos anos?

- Já vou, querida... já vou...

Voltou a contemplar o imenso móvel de carvalho, de prateleiras escuras repletas de pequenos frascos de vidros, fazendo lembrar as farmácias do antigamente, um boticário ou, quem sabe, o recanto perdido de algum alquimista.
México, Cuba, Honduras, Brasil, Tunisia, Japão...
Em cada frasquinho, uma pequena etiqueta com o nome de um país – todos alinhados, sem nenhuma ordem em especial.
E, no interior de cada frasquinho... areia.

Desde muito jovem que calcorreava o mundo, no principio de mochila às costas, depois no conforto de outros transportes, substituindo a velha tenda azul de campismo pelos hotéis de algumas estrelas. Primeiro, também sózinho. Depois, a dois.
Durante sessenta anos... percorrera todos, mas mesmo todos os países do mundo; alguns até mais que uma vez. E de todos eles trouxera um pouco do próprio país, uma pequeno punhado de areia, areia branca e de muitas outras cores, de praias, dos desertos, das montanhas, da selva – do mundo inteiro.
Num dos extremos da prateleira, um dos frasquinhos exibia orgulhoso : “ Londres, 1949 “
A sua primeira viagem... a sério.
Já lá iam... sessenta anos.

E agora? Bem... mais uns meses e completaria os oitenta, um número mágico; redondo.
A sua Alzira, quase dez anos mais jovem, provara o sabor das viagens pelo casamento... uma semana no interior de Marrocos, lembrava-se como se tivesse sido ontem...
E a última... a última viagem terminara na semana anterior, regressados de Timor, o último destino.

Sensação estranha, a de poder dizer que já pisara o chão de todas as nações do mundo. E, no entanto, a sua prateleira de frasquinhos de vidro ainda continuava incompleta.
Faltava colocar o frasquinho que, precisamente naquele momento, segurava na mão, ainda vazio.
Faltava a areia de... do seu próprio país. Nunca a colocara na prateleira, vá lá saber-se porquê. Hoje seria o dia.

- Alberto... olha que o chá arrefece... – voltou a “sua” Alzira a gritar.
- Já vou, já vou...

Ergueu-se do sofá e de frasquinho de vidro na mão, abandonou a sala. A areia, tirá-la-ia do quintal, talvez do canteiro dos cactos.
O último frasquinho.
Mas primeiro, o chá.
A sua Alzira, apesar da idade, ainda não lhe tolerava atrasos.

- Já aqui estou, querida... já aqui estou...

6:14 da tarde  
Anonymous entremares said...

- O chá está pronto... – gritou uma voz, ao longe.

Só podia ser a “sua” Alzira.
Como conseguia ela ainda gritar com aquela energia, apesar dos anos?

- Já vou, querida... já vou...

Voltou a contemplar o imenso móvel de carvalho, de prateleiras escuras repletas de pequenos frascos de vidros, fazendo lembrar as farmácias do antigamente, um boticário ou, quem sabe, o recanto perdido de algum alquimista.
México, Cuba, Honduras, Brasil, Tunisia, Japão...
Em cada frasquinho, uma pequena etiqueta com o nome de um país – todos alinhados, sem nenhuma ordem em especial.
E, no interior de cada frasquinho... areia.

Desde muito jovem que calcorreava o mundo, no principio de mochila às costas, depois no conforto de outros transportes, substituindo a velha tenda azul de campismo pelos hotéis de algumas estrelas. Primeiro, também sózinho. Depois, a dois.
Durante sessenta anos... percorrera todos, mas mesmo todos os países do mundo; alguns até mais que uma vez. E de todos eles trouxera um pouco do próprio país, uma pequeno punhado de areia, areia branca e de muitas outras cores, de praias, dos desertos, das montanhas, da selva – do mundo inteiro.
Num dos extremos da prateleira, um dos frasquinhos exibia orgulhoso : “ Londres, 1949 “
A sua primeira viagem... a sério.
Já lá iam... sessenta anos.

E agora? Bem... mais uns meses e completaria os oitenta, um número mágico; redondo.
A sua Alzira, quase dez anos mais jovem, provara o sabor das viagens pelo casamento... uma semana no interior de Marrocos, lembrava-se como se tivesse sido ontem...
E a última... a última viagem terminara na semana anterior, regressados de Timor, o último destino.

Sensação estranha, a de poder dizer que já pisara o chão de todas as nações do mundo. E, no entanto, a sua prateleira de frasquinhos de vidro ainda continuava incompleta.
Faltava colocar o frasquinho que, precisamente naquele momento, segurava na mão, ainda vazio.
Faltava a areia de... do seu próprio país. Nunca a colocara na prateleira, vá lá saber-se porquê. Hoje seria o dia.

- Alberto... olha que o chá arrefece... – voltou a “sua” Alzira a gritar.
- Já vou, já vou...

Ergueu-se do sofá e de frasquinho de vidro na mão, abandonou a sala. A areia, tirá-la-ia do quintal, talvez do canteiro dos cactos.
O último frasquinho.
Mas primeiro, o chá.
A sua Alzira, apesar da idade, ainda não lhe tolerava atrasos.

- Já aqui estou, querida... já aqui estou...

6:14 da tarde  
Blogger Cristina Fernandes said...

Fabulosa fábula que me tomou desde a primeira palavra. Belissimo texto, como um cálice cheio de sentido...
Abraço,
Chris

2:18 da manhã  

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