quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Caminhantes sem credo

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX (imagem de Susana Tavares)

“Nem todos os caminhos são para todos os caminhantes.” Johann Wolfgang von Goethe
Olhar-te. Olhar-te na intensidade do vazio imenso. Olhar-te na procura de lugares intensos, imensos e infinitos. Olhar-te como quem procura, nas águas, que trazes, em ti, a imensidão da Ternura. Rezar os sentidos que o teu olhar evoca: Oração do Amor.
Procurar-te, dentro, bem em ti, no mais fundo do teu olhar, mais do que palavras de uma oração: gestos. Gestos que nos conduzem pela mão: guias que nos ensinam a viver. Chamas de fogo, incêndios nos escombros da solidão.
Olhar-te como um caminhante, sem credo, nos enleios do Amor: ver lugares onde antes, apenas, existiam imagens perdidas – encontrar-me em ti. Alma quente em corpo frio. Achar morada em ti: lugar com nome – Vida.
Saber que tudo e nada são pedaços e que os gestos, os mais pequenos e gastos, pontos de algo maior, são parte de uma oração a duas vozes.
Seremos caminhantes sem credo, à procura dos nomes que guardamos na mais pequena vírgula (linha) da palma da mão como quem dita a Sorte: Ilusão.
Olho-te e o mais longe que consigo ver em ti é a tua presença em mim: intensidade. Duas pessoas medem-se, apenas, pela intensidade que as une.
Olho-te e sei que o único credo da vida às vezes é um choro que só outro olhar entende: intensidade, duas vezes intensa, vale mais no caminhar do olhar – pertença.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Olhos de Pássaro

“Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir…” Clarice Lispector

Tens traços de veludo ou manchas do que outrora foram linhas, no olhar – alma de intenso sentir. És tecido vertiginoso onde os sonhos encontram pausa, simples fuga das mãos do Tempo. No teu olhar moram todas as eternidades mais intensas que o frio de Novembro; todos os gestos de pura seda partilhados nas madrugadas que o Sentir desenovela dos Outonos sem fim.
Em ti, nos teus olhos de pássaro, costurou o poeta lugares de encanto. Escreveu linhas desniveladas, com letras desenhadas numa só voz, como quem tatua pedidos num pedaço gasto de papel, sempre à espera de no teu olhar, eternamente, encontrar um minuto imenso, apenas.
E no último instante da vida, o mais eterno que uma Alma grande tem, inaugurou um nome em cada pena de pássaro ferido: Amor.
Saibas que de cada vez que um Pelicano fecha os olhos e nas tábuas, deitado, esquece a Alma de turbulências passadas, os pés do poeta se aproximam – já gastos de tantos mundos percorrer – para os teus sonhos, pássaro ferido, velar. E é quando acordas desses mundos que apenas tens em ti que o poeta escreve todas os dias a mesma frase: “Tínhamos fome antes de nascer.”
Todas as vezes que o Pelicano adormece a lenda acontece. Todas as vezes o dia se divide em dois para que o poeta possa ao Pelicano os seus amores confessar – todos os dias que o Tempo segura nas mãos.