sábado, novembro 20, 2010

De quanta terra precisa o Homem?

by Mattijn Franssen

"A razão não me ensinou nada. Tudo o que eu sei foi-me dado pelo coração."
Léon Tolstói


A Ivan Illitch que no último sopro de vida conheceu a dignidade da Paz – a paz é uma certa verdade em nós.

Nos rastos da Solidão como quem persegue esta fenda da paixão, esta parte humana de mim nada mais é do que um autor em busca de personagem, como quem diz: busca de abrigo, tão-somente.
Nos rastos da solidão quase abraço a morte. Subo esta colina que me mostra cada vez mais os quase sete palmos de terra que preciso, tal como cada homem que se resigna na subida de cada dia. Tal como Sísifo que desafiou os deuses, no desejo de ser imortal.
Hoje sei o que os Anjos não sabem.
A morte caminha connosco em cada passo, lado a lado, como uma força que nos incita a mais vida. Hoje sei que o mais astuto dos mortais se resignou na esperança da eternidade – apenas os mortais sabem o valor de todos os momentos eternos, nem que sejam instantes, apenas. E tu, tu és um instante de eternidade, és a personagem que Tolstói não inventou, és a vida que Illitch sonhou, o pedaço de terra que Pakhóm desejou e tantos bocados de outros que és em ti.
És meio homem, meio deus, perdido numa floresta escura.
Tu és o pedaço de terra que preciso.
Hoje sei que regressar ao passado não é possível, mesmo se fosse bom e ainda que eu acreditasse no passado.
Quem sou? Tolstói não se esqueceu de mim.
Beijo-te, mas o mundo espera…

quarta-feira, novembro 17, 2010

Diz-me do tamanho do teu olhar

by Peggy Wolf

Podes olhar-me e dizer (sem falar): “és tudo o que quero”, sem saberes tudo o que sou?



Uma ave deve voar, mesmo que o céu esteja cheio de abutres.
(Autor desconhecido)

Somo-nos abutres numa ausência de céu.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Annwn – como quem apaga a sede

At Rest by Michael Klein

“He would look in the mirror, see an old man now. Doesn’t matter they survived somehow. They said there’s nothing can be done about the situation.” When the wild wind blows, Iron Maiden

A todos os que pensam que quando se olha um vaso, ele está vazio e aos que ao olhar uma mulher a sabem fonte de Amor. E aos que desconhecem.
Coseram-te com uma linha sem cor, gasta, grossa e muito usada, numa agulha fina e fria. Três laçadas pela frente, três golpes atrás.
Disseram uma meia dúzia de palavras, numa única frase, como se estivessem a falar contigo. Depois de cosida e de parecer teres ouvido o que duas vozes, em uníssono, murmuravam, lançaram-te ao mar, com rejeição, como quem segura as cordas de um caixão que a terra recebe. E tu, uma boneca tão pequena ou, tão-somente, quase meia dúzia de farrapos, nas mãos do mar, perdeste o nome às coisas, que é como quem diz: a lucidez.
Quem perde a lucidez já não existe: vagueia.
Andaste dias que não pertenceram nunca ao Tempo, esse adamastor de barbas rígidas que tudo disseca, nem ao momento. Andaste nas mãos do mar todos os dias, sem Tempo, em que nenhuma maçã nasceu e todas as coisas que já existiam: apodreciam, vorazmente.
Num instante, num pedaço roto que escapou ao Tempo, surgiste ao pé de mim, do outro lado da água e recebeu-te um coro de Anjos porque regressaste ao Templo do mundo interior, a esta planura de alegria.
Durante os dias, sem Tempo, que vagueaste em alto mar segurou-te no colo, um Deus, como quem recebe nas mãos uma criança que vem ao mundo.
Quanta providência! Não há coincidências, há providência.
Segurou-te nas mãos do colo, um Deus, para que tu pudesses chegar onde, apenas, outros chegam sem vida.
E nesta ilha de vidro que hoje, um hoje ausente do Tempo, te recebe, entregam-te o reino com uma inscrição: “esta porta é uma das que sempre esteve aberta no teu coração.”
Regressaste a casa. Valeu todo o medo que albergaste em ti como um veneno que abre feridas insepultas. Valeram-te os embalos da ilusão, companheiros da Solidão.
Valeram? Valeu?

Fui eu que lhes pedi para nunca te abandonarem – as Gaivotas, que avistavas ao longe e te pareciam de asas presas.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Nessa noite alguém se esqueceu de amar um anjo


"All my days I've waited for the sign
The one that brings me closer to isle of Avalon...
I can hear you, can you hear me?
I can feel you, can't you feel me?"
Isle of Avalon, Iron Maiden

Ali estava ela, tão longe de mim. Nunca o negro me envolvera tanto, não nas vestes: no corpo, no interior do meu ser, dentro do meu coração. Olhá-la era cada vez mais um beijo que os meus braços não deram: era uma ferida aberta, como um cálice, onde o sangue jorrava para um sítio em que já nada existe. Era sangue, saído de mim, sem vida.
Não a tinham enterrado ainda e eu já não a sentia, já uma parte de mim tinha morrido primeiro, de uma forma lenta e agonizante como quem prepara caminho para algo maior.
Daqui a uns anos talvez o Tempo, esse velho que tudo rouba para si, mostre que aquela morte teve sentido. Às vezes morrem pedaços de nós, em nós, para que possamos ser a pauta de uma música, ainda que esta fique a vida toda por tocar.

E hoje sei-te num mundo para lá do mar, num subterrâneo, ao lado do mundo dos vivos, que só um Anjo, vivo, com muita força consegue alcançar.

quarta-feira, novembro 10, 2010

Se te disser que o Vento chora

by José Luís corella

"Também a vida é só um instante,
apenas um dissolver-se,
de nós mesmos nos outros,
Como um dom que se faz" Boris Pasternak


A todos os velhos sem Amor e aos que envelhecem porque não o encontram numa vida, apenas
.

Estou sentada do lado avesso de um mar que não existe. Vejo navios que chegam de partes que nunca saberei. E não sei porque desconheço.
Sinto um mar pontilhado de ilhas dispersas nesta infinitude de não ser coisa alguma em lado nenhum. Pergunto-me, vezes imensas, quem tingiu o mar desta cor, como quem pinta um sonho que não cabe numa vida, apenas. E nem mesmo ouço resposta ao que nunca chega a ser pergunta.
E da outra margem deste mar que não existe, alguém pergunta: “Quem atirou os peixes para este lado do mar?”
Este mar não existe, nem os navios, nem as ilhas dispersas. Nem mesmo os peixes!
E eu ouço a tua voz. Ouço-te como um sonho numa tela cujo autor se desconhece.
Ninguém sabe o nome às coisas. E nem mesmo tu sabes que te ouço nos lugares que não existem.
E todos os dias continuo a subir a montanha à procura do que senti – há lugares que longe de nós nos pertencem porque guardam momentos que só acontecem uma vez, uma única, apenas, na vida toda que o Tempo, esse velho barbudo de barbas rígidas que deixou apodrecer as maçãs, guarda com as duas mãos.
Talvez o Tempo exista apenas nos lugares que desconheço.

terça-feira, novembro 09, 2010

A dona do Tempo

Floral Interior by Michael Klein

“It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.”
Invictus, William Ernest Henley

Neste fim de tarde de Outono já não há lírios nos terrenos dos vizinhos: há, apenas, a imensa saudade deles no meu peito que trago aberto como uma ferida que espera o vento, num campo de searas onde o Amor não existe.
Entro na sala, na tua sala – aquela que o Tempo não pode – e sinto as tuas mãos envoltas em mim como um novelo por desfiar, o único conjunto de fios que o Tempo não toca. E sei-te como ontem, ou um dia antes ou depois de ontem – um Tempo que já não sei porque aqui não deixo demorar o Tempo. Foi Deus, um deus que se sentou no Tempo que te devia pertencer e hoje, neste fim de tarde de silêncios, sei-te cada traço do rosto porque te és em mim como uma parte que me faz andar, sentir e desejo-te mais ainda. Desejo-te como naquele inicio de madrugada insepulta, no topo da montanha da capela onde costumávamos ir. Quase sinto na face o beijo do Vento com o ventre promissor de saudades – as mesmas parentes do Tempo, esse que tudo rouba, que tudo devora, esse velho barbudo, de barbas rígidas e mãos secas, gretadas, esse que deixou apodrecer uma a uma todas as maçãs. Quase te sei toda a vida nesse abraço que a distância não mede. Os teus olhos: tens olhos de Deus, ainda os vejo como a única luz que entra neste sítio sem nome, em todos os inícios de madrugadas insepultas. Os meus pés no meio dos teus pés como quem embala uma criança e no peito, no meu peito, aquele que já não me pertence porque to doou, a vontade de ser de novo o sonho que ficou intacto desde que partiste.
Continuo no topo da montanha, mesmo dentro desta sala, a tua sala onde os crisântemos, os últimos que colhestes, nunca chegaram a morrer – porque aqui o Tempo não entra, aqui subo à montanha com o mesmo desejo de ser uma vez mais em ti, Amor.
Ou tão-somente um lugar sem nome, que o Tempo não toca.

segunda-feira, novembro 08, 2010

Diz-me como chegar a ti

“Possua apenas o que você pode levar consigo... Deixe que a memória seja a sua mala.” Alexander Soljenítsin

O Amor existe, ou talvez exista. O Amor é semelhante a um imenso mar pontilhado de ilhas de campos de concentração. Ou talvez seja um imenso céu pontilhado de emoções acorrentadas à ilusão. Que seja eterno porque o Homem é finito.

quinta-feira, novembro 04, 2010

A condenação


“nós é que somos lentos nós é que inventamos os intervalos
de onde apenas espreitamos aquilo que poderíamos ter sido” Daniel Gonçalves

Pena. Uma pena, – lamento perpétuo – condenação. Condenação do amante. O amante mata o Amor de cada vez que não vê nos braços abertos e, por isso, descobertos, um verso de um poema em construção. De cada vez que toca as mãos sem saber as linhas de ouro que cosem todas as outras artérias que, naquele momento, de braços descobertos ele traçou – uma mão nunca está completa: as linhas que a sustentam modificam (costuma ser por ordem desse vilão de barbas rígidas que deixou apodrecer as maçãs: o Tempo) – hoje o culpado foi o amante.
Porquê? O amante pode mais do que o Tempo. A morte diz-lhe isso quando aparece: “Um grande Amor não morre nas mãos do Tempo”.
E essa pena que cumpres é uma fuga de ti mesma, nessa bicicleta que compraste para fugir ao Tempo apenas foges de ti, ainda mais. Ela, esse transporte de duas rodas (olha a ironia do número!), não sai do lugar. Por isso ainda não sabes o nome dos sítios que a tua mão tem e a tua mão é uma parte de ti.
Condenada. Foges.
Dentro de ti há corvos e céu cinzento.

Nasceste para cumprir a Eternidade e foges porque ainda não sabes vesti-la.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Quase uma Carta de Amor


Algures sem Tempo, num dos Outonos da Vida...

Sei que ontem tive auto-estima, simplicidade e plenitude. Vi-te nos braços, Amor. Julgava-te morto: quando um dia pensei ter-te conhecido e depois, num momento do Tempo, o vi morrer (o Amor – como quem diz o teu nome ou simplesmente água).
Olhos de engano os leve o vento da má sorte com um raio de mil trovões. E se os olhos que enganei foram os meus, direi: o Amor existe.
Quando te disse que o Amor não existe, não sabia que ele pode viver um minuto ou meio segundo apenas mas durar a vida inteira ou ser eterno, talvez. Depende da forma como ele aparece, quem o traz pela mão e o modo como aquele que o recebe, o guarda.
E se o teu nome me voltar a escapar, como se de um engano se tratasse, a sede nunca mais terá o mesmo sabor e saibas que no cofre que levo comigo desta vida espero guardar com preciosidade o desejo de no último sopro de vida dizer o teu nome, que é como quem acredita no Amor. Um dia o Amor existe.
Hoje sei.
Hoje sei: quando te amei, amei-me de verdade.
(Maria Cereja acrescentara as seguintes linhas:)

Quando tenho sede digo o teu nome.
Dar nome à sede: é o mesmo que ter sabido viver e ter sabido viver é já não ter vida.

Mais tarde Maria Cereja soube que toda a sua vida tentou escrever quase uma carta de Amor e que nas cartas de Amor a vida não cabe.
Um dia a morte veio buscá-la, já a sede tinha morrido também.

E os desejos que ficam por cumprir em vida são letras opacas de um Amor doente.

terça-feira, novembro 02, 2010

Margem de mim: em ti.

Se houver momentos sem palavras: tu és um deles. Nas ruínas que me habitam sei-te um mar imenso de paz. Sei-te no avesso de mim, nas costuras descosidas, nas feridas abertas e na cor do sangue que atravesso até ti.
Sei-te como um significado que procuro desde que nasci.