terça-feira, agosto 31, 2010

A que distância deixaste o abraço?


"Regressamos a uma terra misteriosa

trazemos uma ferida

e o corpo ferido" O SILÊNCIO, José Tolentino Mendonça


Abraça-me em segredo ninguém precisa de saber que os meus braços tocaram os teus
. Esta será uma oração a duas vozes, num mesmo corpo: sempre que os braços nos unam.
Ainda que outros, poucos ou muitos (não interessa quantos), possam ler esta mensagem, foi ao teu ouvido que a murmurei como uma pétala de fina seda que ninguém acredita que existe. Guarda-a dentro de ti, no sítio onde guardas todas as coisas que te ofertam, de igual, menor ou semelhante valor (não interessa quanto), porque o que tiver de ser, será; o que não foi nunca teve lugar.
Nunca interessou a quantidade do que de ti vive em mim, mas a qualidade. O tempo que tudo condena, pode ouvir-nos, aprisionar o quanto mas nunca a qualidade do que sinto porque isso pertence-me, vive em mim como uma segunda morada ou simples templo que outorga o meu sentir.

Das coisas que restam

(foto by Mattijn's)

A janela
não sobrou nada:
só a ferida da memória
” Hassan Najmi

Quando eu sair, fecha-te a sete trancas porque foi tanta a intensidade de mim em ti que ainda me poderão ver. Atira a chave no alto mar, num lugar onde nenhum baptismo tenha ocorrido, apelidá-lo-emos de Lugar sem nome que é como quem diz lugar que o sol não viu e nunca a chuva acariciou. E se pensares em mim, se algum dia o compasso das saudades em ti quiser entrar: lembra-te que a culpa é do Tempo, esse velho de barbas rígidas e inóspitas, que deixou apodrecer as maçãs.

segunda-feira, agosto 30, 2010

Silêncio: nome do Destino

(Fateline by Mike Worrall)

"Somente o silêncio é grande, o resto é fraqueza." Alfred de Vigny
“ - Fecha-os. Fecha os olhos. Estarei numa ponte. Serei escuridão. Iluminar-me-á a Lua – metade da Lua que te abriga os sonhos. A outra metade estará contigo, lado a lado, ou em ti, talvez.
Terei atravessado um corredor de árvores cujos ramos tocam o negro dos céus. E todos os troncos das árvores alinhados, como um pelotão do exército, farão de ti soldado na frente da batalha.
Todos os troncos das árvores alinhados serão o umbigo do sonho.
E quando já as nuvens brancas avistares no chão perto de mim, terás conhecido o sabor da escuridão, o paladar do negro dos dias sempre iguais à noite, como passos de valsa sem dono. Como passos que buscam a dança interior que te tatuaram, quando nasceste, e que deixaste morrer em ti, sem dono, sem senhor.
Terás conhecido o sabor da escuridão, o paladar do negro dos dias sempre iguais à noite, mas nem mesmo assim poderás ver a azagaia que trago dentro do peito.
Fecha-os. Fecha os olhos. Conhecer-me-ás ainda que no meio de muitos: serei a linha que te guia, todos os dias e todas as noites que o Tempo tatuou em ti – Destino. Serei silêncio.
Fechei os meus. Dois silêncios poderão mais, muito mais do que um.”
Assim falou a noite: só ela conhece os destinos de cada um. Ouviste-a? Encantou-te a voz?
Agora veste-a com o melhor que trazes em ti, ela espera-te como sempre te esperou: do outro lado do campo de batalha.

sábado, agosto 28, 2010

Das palavras perdidas

“nitimur in vetitum” Ovídio

Um dia a vida acaba e sempre quero ver o que hás-de inventar a seguir, tu que não viveste…

Olho-te e a única pergunta que me retira o sono nesta madrugada de silêncio não encontra resposta. Os olhos não se fecham. Quando te olho, afasto de mim o sono: enfrento todos os demónios, um a um, do mais forte ao mais frágil. E quando te olho, apenas quando te olho encontro morada de mim em ti.
Nenhuma pessoa pode ser um templo tão vazio como aquele que me habita quando não me sei nas palavras. Nenhuma coisa em nenhum dos mundos pode ser tão intensa como o frio da ausência de palavras que deixas em mim.
Mataste-as. Tu mataste as palavras, uma a uma, e aprisionaste-me naquela parte que se esqueceram de amar em ti.
Vagueio na noite sem respostas como um corpo sem pertença. Já não sou. Esqueço-me de ser em mim porque te olho mesmo sem te ter perto – seja o que for o perto, uma das palavras que não tu mas eu fui, também, matando em mim: todas as palavras parentes do tempo eu as matei e depois vieste tu e mataste todas as outras. E são tantas as que ficam por dizer, as que não encontram casa.
Aniquilando as palavras - lithium, soro fisiológico - esvai-se a protecção das emoções: sou-me tão frágil na noite, sem palavras. Aniquilando as palavras perco a identidade: sou-me, sem definição, nem mesmo um espectro de luz; sou-me sem humanidade. Por isso, vagueio.
Porque se esqueceram de amar essa parte de ti?

segunda-feira, agosto 23, 2010

Dos mundos

(Foto de Mattijn's)

“Louvada seja a dança,
que liberta o homem do peso das coisas
materiais e une os solitários para formar sociedade
.” Santo Agostinho


E foi assim que comecei a andar só: um dia acordei e não havia mais mundo, ou melhor havia mas era como se o mundo dos outros fosse apenas vapor à minha volta. Senti que sem os outros a responsabilidade é maior: apenas posso contar comigo. Mas, custa menos sorrir: o tamanho do sorriso é apenas meu.
Desta forma esquisita de estar, fugi do mundo dos outros. Às vezes visitava os loucos, outros que vivem perto do mundo que inventei mas nem eles podiam ser tanta solidão como eu.
E foi assim que comecei a andar só: no segundo dia depois de ter acordado e de me parecer que não havia mais mundo, comecei a preencher as folhas em branco: carregava-as com tanto afecto quanto um solitário carrega em si. Talvez como um amante ao amar pela primeira vez.
Desta forma esquisita de ser, fugi do que pensava ser o mundo dos outros. Às vezes alimentava os velhos, outros que vivem perto, quase perto, do mundo que inventei mas nem eles podiam ser tanta solidão como eu.
E foi assim que comecei a andar só: no terceiro dia depois de ter acordado e de me parecer que não havia mais mundo e de ter preenchido tantas folhas: soube, finalmente, que as folhas não podem ser apenas brancas, há sempre alguém que nelas carrega amor.
Durante três dias andei só. Tão só quanto uma asa quebrada aprisiona o sentir.
Ao quarto dia morri: há tanto do mundo dos outros em mim.

sábado, agosto 21, 2010

BARCOS ENCALHADOS

(Foto de Mattijn's)

Inventei um mundo. Um mundo a dois. Inventei um mundo para nós: não estou só.
Inventei-nos um mundo quase do tamanho do mundo dos outros. Deixei um passadiço estreito, feito de meia dúzia de tábuas de um barco encalhado no areal que o mar devolveu, para que possamos, todas as vezes que quiseres, ver, juntos, o mundo dos outros e sorrir. Sorrir porque conseguimos, finalmente, construir um mundo perto do mundo dos outros com a ajuda do mar e dos barcos que nele navegam.
E se alguns barcos encalham, algum motivo terão.
- Agradeço-te mar que me deste este passadiço fora do mundo dos outros e me deste uma mulher de pés descalços para amar.
E eles, os que vivem no outro mundo, habitam casas tão semelhantes e as ruas tão grandes que os fazem tão pequenos, aos outros: não sabem a beleza das asas de gaivota, sobre eles, no ar.

Não sabem que por vezes os barcos têm de encalhar para que outros, do mesmo mundo ou de outros mundos, possam navegar.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Hoje vejo-te: Eternidade.

(foto de Mattijn's)
A Eternidade que sempre busquei no olhar dos outros acompanhou-me sempre nas pontas dos dedos, sem nunca ter sido carne, mostrando-me a imortalidade do Sentir.

quinta-feira, agosto 12, 2010

Lugares Estranhos

(Foto de Mattijn's)
Gostava de ter inventado as folhas.
Alguém passou primeiro: inventou-as e deu-lhes nome. Há quem as veja nas árvores e nas ruas. Mas, ninguém as vê como eu: à noite vejo folhas no céu. Não as inventei, não lhes dei nome. Mas, sei que elas bordam pedaços desse véu imenso e negro que me acompanha desde que te vi.