domingo, dezembro 26, 2010

Violetas sob o gelo

Esta noite fechei as portas e julgando esquecer, não deixei que amanhecesses em mim. Fiquei suspensa nas mãos do tirano de barbas rígidas que tudo rouba e recusei todas as manhãs. Talvez como quem carrega um rochedo sabendo que a imortalidade não pode acontecer a quem recusa uma só réstia de luz. Talvez como quem quer apagar todas, ou poucas, memórias que o homem de barbas rígidas insiste guardar. Talvez como essa Ode grega que insisto em não dizer. Talvez como uma incerteza nos braços daquele que deixou apodrecer as maçãs e insiste em levar as violetas para a outra margem do rio que poucos sabem que existe…
Talvez esta noite as portas que julguei fechar não existam porque o dono das coisas, o tirano, o de barbas rígidas, o Tempo, não deixa esquecer que possas ser uma manhã nas artérias de alguém. Talvez as violetas sob o gelo não estejam numa outra margem de um rio qualquer (que não existe), mas em ti.
Talvez esses laços que te amarram os braços sejam uma prece e ainda não saibas...

sexta-feira, dezembro 24, 2010

O que é eterno para ti?

(Alex Alemany)
"Há coisas encerradas dentro dos muros que, se saíssem de repente para a rua e gritassem, encheriam o mundo." Federico García Lorca

Todos os dias esperamos dias maiores, mais coisas, mais felicidade… esquecemos que “eternidade” pode ser um gesto, um sorriso ou pouca coisa. Quando sabemos o nome de tudo o que amamos, somos eternos: ainda que sejamos um gesto, um sorriso ou pouca coisa. Ainda que outros nos olhem com estranheza, ou que o nosso tamanho possa ser do tamanho do que cabe numa algibeira, sei: podemos ser eternos.
O que é eterno para ti?
Devolvo-te a pergunta, respondendo: para mim, eterno é o silêncio que não entendo, o dia igual à noite, a flor que mesmo depois de murcha tem valor e alguém há-de guardar e de vez em quando ou de vez em vez (como quem diz: “sempre”) recordar.
Para mim, todas as pessoas que cruzam nesta estrada interior que me habita, são eternas.
E tantas outras coisas e nomes tatuam a minha eternidade. Gosto de chamar água à eternidade e bebê-la como água.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

Rastos de sangue


Havia um gigante devasso que pensava conquistar as belezas aparentes. Um dia faltou-lhe um braço, no outro uma perna, um dente, cada dia uma amputação. Difícil seria o dia em que ficasse sem o coração – podiam levar tudo (cada dedo, cada fio de cabelo, cada mão, …) menos o coração. Sem esta caixinha, o gigante, ainda que devasso, não podia amar, não podia guardar sentimentos.
Aos poucos, lentamente, tão lento como tudo aquilo que dói, que dilacera, que mata, que destrói e anula, foi ficando um rasto de sangue quase sem sabor, sem identidade. Tornou-se uma mancha sem forma, que nem o Tempo quis chamar para si, rejeitada e feia.
Um dia, um daqueles dias que o Tempo não aprisiona, porque é especial, um ser qualquer, um ser muito mais do que um qualquer, um daqueles seres que parecem distantes, diferentes, e, por isso, ausentes do Tempo comum, quis saber tudo sobre a mancha. Aos poucos, lentamente, como todas as cinzas que saem dos escombros ou das casas assombradas, a mancha ganhou cor, pés, mãos, braços, dedos, … e, por fim o coração.
Um dia alguém acaba por ver numa mancha de Sangue, um coração. Um dia hás-de querer que anoiteça depressa para seres sentimento no coração de quem vê no escuro. E já não importa o teu tamanho: gigante ou anão, apenas queres ser um rasto de sangue no corpo de alguém.