segunda-feira, outubro 18, 2010

Júlia

(La línea de la vida by Jesus Lima)

“(meu velho, passeias sempre dentro de ti e ainda não conheces todos os recantos, os vales e as montanhas que te habitam, as cascatas súbitas com que te deslumbras, mas logo a aridez de um chão enorme onde nada pode nascer) ” REQUIEM PARA D. QUIXOTE, Dennis Mcshade

Sabia escrever. Escrevia destinos. Escrevia destinos como quem desenha linhas, arquitecta ruas ou costura camisolas. Entre fios de algodão, paralelos e tintas, escrevia as linhas para os outros.
Sabia escrever destinos. Escrevia muitas vezes, em muitos lugares. Às vezes via a sua escrita nos olhos passantes, dos que com ela cruzavam. Vidas inteiras, ou esquissos das mesmas, passavam, frente a frente, diante dos seus olhos.
Às vezes os olhos dos outros demoravam nos seus. Às vezes, alguns olhos pensavam morar nos dela para sempre. (para sempre é uma palavra que não existe, em todos os olhares.)
Via os destinos dos olhos, nas mãos. Via os corações dentro das camisolas, sentia cada caminho das artérias que o Ser Humano traz em si.
(para sempre é uma palavra eterna. E tudo o que é eterno foge ao Tempo.)
Não sabia escrever o seu próprio destino. Fechava os olhos e não deixava que a vissem, ninguém poderia escrever o seu destino. Escondia as suas mãos. Nunca abria o seu coração.
(para sempre é uma palavra que não existe, em todos os lugares.)
Assustava-a não saber escrever o seu próprio destino. Chamava-se Júlia e tinha uma linha descosida na palma da mão.
(para sempre é uma palavra dentro de um rio transparente, sem nome.)

terça-feira, outubro 12, 2010

Céu Vermelho

(Pintura de Ring)

“E o que era “eu”
É uma simples palavra
na boca das trevas de Dezembro.” Tomas Tranströmer


Pintei o céu de vermelho.
Deixei o Sol – sem nascer ou morrer – ali, apenas,
no centro do nosso olhar.
Porém sem o podermos tocar.
Deixei algumas (poucas) nuvens cinzentas
- as necessárias .
Deixei-as no mesmo céu vermelho
para que possas adormecer a dor
como quem cala cicatrizes
que nem o Tempo (esse vilão de barbas rígidas que deixou apodrecer as maçãs) pode coser.
Do teu lado direito a árvore de ramos direitos que quase toca o céu
e
talvez o Sol.
Estamos debaixo desse telhado de vidro:
somos Humanos, dois Humanos entre poucos.
Tu vês as nuvens cinzentas.
Pensas.
Eu vejo as raízes da árvore.
Sinto.
Somo-nos sombra escura.
Somo-nos sombra tão escura num rasto de céu vermelho
.

quarta-feira, outubro 06, 2010

O que nunca saberei dizer

Talvez um dia alguém te diga que todos os sítios onde o Amor não chega são, apenas, paredes sem raízes em lugares mal situados.