terça-feira, março 23, 2010

DO OUTRO LADO DO MEIO.


“…a razão mais importante de se ir de um lugar ao outro é ver aquilo que há entre os dois lugares…”(The Phantom Tollboth de Norton Juster)

Uma fenda. Abriu-se uma fenda, passageira mas inesquecível, no céu imenso que cobre a casa. Uma fenda maior do que a casa. Cada telha parecia uma pétala de uma flor de vidro. Talvez porque o chão dos dias é feito de flores de vidro, estilhaços. Talvez por outro motivo que alguém prefere calar.
Uma fenda que se abre como um raio que um deus envia do céu: solta-se o gesto. Quem cala: aprisiona. Quem cala: não diz; guarda a voz no peito. E um pássaro, dentro de uma gaiola, sem cantar. Pássaro sem nome, numa gaiola que não chega a ser lugar. E uma gaivota, de asas presas, que almeja voar. E a voz sempre presa no peito.
Esta noite, do tamanho dos dias, abriu-se uma fenda. Uma fenda do tamanho de um mundo: o teu mundo.
As duas mãos fechadas em concha: do tamanho de um buraco – mundo. As mãos como um cálice de gotas de uma chuva que não caiu, chuva que não cai: ainda não. E a chuva muda e presa. E a voz sempre acorrentada no pensamento.
Essas mãos (cálice de chuva) carregam um mundo. Talvez como uma mãe, anónima, mãe entre tantas mães, traz no ventre um filho. Talvez como outra coisa, qualquer coisa sem nome, uma res, qualquer ausência de nome que tu, ou outro ser prefere calar.
A fenda que se abre, as mãos que guardam a chuva e aquele que se cala são objectos nas mãos maiores que albergam os mundos num mundo maior. E os dias, agora do tamanho das noites, guardam os melhores segredos no meio de um oceano onde um pomar de rosas existe.

domingo, março 21, 2010

Do Som do Rio

E às vezes o som dos outros é o equilíbrio em nós.

Disseram: o rio corre. Não sei se o rio corre perto das raízes daquela árvore. Sei que me vejo nas águas deste rio como quem se vê ao espelho. Sinto-me nas raízes daquela árvore como quando pela noite chegas e perfumas o amor que aprisiono no lado esquerdo do peito. Sou uma linha das raízes daquela árvore, uma apenas.
Linha curva, frágil e imperfeita.
Vejo-me à tarde, já tarde moça, de vestido negro com a bainha desfeita, renda gasta pelo tempo, nas margens deste rio. Vejo pedaços de pétalas, flores sem sépalas; sinto o perfume das manhãs que guardas em ti e de novo me sinto descer pelos dias como este rio que não sei de onde vem, nem para onde vai.
Mas eu sei, o que os outros não sabem: há rosas no mar.
Disseram: o rio corre. E não disseram mais nada. Depois inventei novas nascentes e nelas entreguei os meus segredos. E destes gestos encobertos os deuses fizeram os desertos.
Disseram: o rio corre. E não disseram mais nada.
Depois das nascentes e dos desertos sei que um Anjo pintou o céu de azul e as colinas vestiu de verde. Sei que o canto do violino tem o silêncio no ventre. Apenas não sei quantos dias tem a minha vida nas tuas mãos, ou o peso do meu tamanho em ti.
E neste rio que corre posso ser nascente, deserto ou som inquieto.

terça-feira, março 16, 2010

LUGAR DA CHUVA

“A noite é a noite, começa com a manhã, é ela que me deita a teu lado.” Paul Celan

“A Chuva antes de cair mora no colo dos deuses. Sabias?”
Um a um, lentamente, cada passo da vida nos pés da bailarina é eterno. Timidamente o gesto acontece. À noite queda-se a luz. Envolve-se a dança no negro xaile e olhando a Lua, espera que amanheça. Uma espera tão dourada, celeste, como a espera da chuva antes de cair.
Se um Anjo perto de ti morasse. Um apenas. Se um pintor numa tela o teu rosto pintasse. Um apenas. Se a noite não fosse maior do que os dias… Uma noite apenas. Se o teu dono te desse os dias nas noites: tu dançarias – intensa é a dança do teu corpo.
Os guardins do teu barco são ecos de harmonia; são a chuva que comanda os teus passos e tu, de beleza ímpar, és o sal das manhãs.
A chuva antes de cair é a fuga da Ilusão nas mãos da Eternidade e os teus passos são eternos porque os ouço na chuva, antes de a chuva cair.
E os desejos já imersos desaparecem nos passos da bailarina que recusa a indigência do sentir.
Sei que a chuva antes de cair é um lugar que poucos podem visitar: nele possas um dia demorar.

segunda-feira, março 15, 2010

CATEDRAL SEM ACASO

“Não se envelhece enquanto buscamos.” Jean Rostand

Era um papel gasto e amarelo. As manchas do tempo no papel. Dobrado em quatro. Cada dobra, um vinco. O que poderá ter um papel?
Dobrado em quatro, com tantos vincos, um papel pode ter sentidos ímpares: caminhos dispersos e infinitos.
Uma frase cativa, no sublime das insónias dessa convenção (Tempo); uma frase se lê.
Quantas marcas de gestos, quantos olhares que os dias aprisionaram nestes vincos de papel e tudo pela frase inacabada, ou pelo papel várias vezes tocado, infinitas vezes olhado, inúmeras vezes sentido mas sempre abandonado? Sempre ali, no mesmo espaço físico como quem habita um lugar sem identidade à espera do encontro.
Naquele espaço da gaveta, dentro de um livro antigo: tão antigos o livro e o papel. Mais gasto e amarelo o papel.
Naquele espaço da gaveta, dentro de um livro antigo, ainda mora uma frase. Frase inacabada. Inacabada e eterna. Frase eternamente inacabada. Frase sem saber o que é a eternidade, onde mora e quanto vive.
Às vezes nas Esquinas, nas dobras ou nos vincos, do Tempo inauguramos caminhos que se iniciam com uma frase, apenas uma.
Neste papel dobrado com os vincos da Alma e guardado numa gaveta de sentir: uma frase – um nome, apenas. Apenas um nome. Três letras do tamanho de uma catedral gótica cujas torres sineiras parecem tocar os céus. Três letras tão gigantes como os maiores edifícios de pedra: de sempre.
Três letras com tanta luz como a rosácea do vitral que tens em ti. Tu és uma catedral sem acaso, etéreas letras verticais te moldam. O teu nome, de paredes mais leves e finas, de janelas predominantes, de torres ornadas por rosáceas, de arcos de volta quebrada... O teu nome escrito nas ogivas que te definem, faz de ti a maior catedral cujas absides guardo em mim e encerro no papel, cada vez mais gasto e amarelo.

Porque o que é verdadeiramente nosso, por isso imenso e intenso, jamais pode ser partilhado. Porque o teu nome é a casa que habito, catedral sem acaso.

quinta-feira, março 11, 2010

O Náufrago

“Não é necessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa.” O Náufrago, Bernard Thomas

As mãos arrepiadas de pranto. Tantos mundos nas mãos de quem se sente naufragar. Tantos gritos e tão mudos que a água inunda a boca quando o coração impede de falar.
Gritos espelhados nas águas gélidas de uma corrente em contra–mão: sentimentos indigentes onde vive a Ilusão.
Um náufrago preso nas teias da Ilusão apenas pode soltar as mãos, anunciando a dor que sente mas às vezes é maior a força da corrente que a força que o náufrago sente.
Quem? Diz-me um nome.
Um apenas. Um nome entre muitos. Mesmo entre nomes que desconheças.
Ou mesmo os nomes que se esqueceram de ti.
Diz-me quem te ensinou a amar se nem as duas mãos consegues erguer ao mundo e mostrar, talvez como um coração despido que se ergue aos céus como um hino de Amor nas mãos do Vento; talvez como o sorriso de criança ao pé de um brinquedo desfeito… Talvez como quem espera um momento.
Ensina a voz que as tuas mãos pedem. Retira-as dessa água da Ilusão. Salva-te ou condena-te. Este agora que urge e reclama liberdade não é mais um apelo de Saudade é um eco, sôfrego e pálido, na ânsia de vida.
Solta uma mão apenas. Desata os nós que te prendem à Ilusão, não queiras a indigência do sentir.”

Acordara num espaço estranho, não sabia um nome. Não podia inaugurar um nome que o tivesse amado. Um nome verdadeiro. Um nome que só aqueles que amam sem iludir vestem.
Naquela manhã, naquela metade de dia, sabia que podia continuar a viver como um náufrago resgatado por alguém daquelas manhãs submersas onde apenas mora a Ilusão.
Quem? Quem o salvou? Procurar o nome. Procurar um nome apenas: pode ser o começo de alguém. Pode ser o começo de nós.

quarta-feira, março 10, 2010

MADRUGADAS SEM SOM

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX(imagem de Susana Tavares)

“O som aniquila a grande beleza do silêncio.” Charles Chaplin

Aos sons que nos prendem,

Procuro nomes na voz que me persegue. No íntimo busco lugares por habitar…
Não me sei. Desconheço-me porque não encontro sons físicos. Não a ouço: a voz.
Essa voz, maior que todos os sons de fêmea, perdeu-se no silêncio das tuas manhãs…

Quedou-se como a baía enovelada em fios de nevoeiro denso.

Levantei-me cedo, antes de todos os sons nascerem, ainda, hoje.
Soltei letras (dispersas) presas à emoção de um nome: o teu.
A minha voz, no novelo dos dias, é um eco distante. Camuflado. Inaudível.

Ergui-me cedo, tão cedo, para te chamar nesta madrugada de ausências.

Vi orvalho dançante nas sépalas dos Girassóis dormentes nos braços da noite,
embalados por Morfeu.
Senti Tempo novo no meu peito…

Cresce, nestes pícaros de sentir, a ausência de todos os nomes que os teus sons guardam em mim.

Sento-me na intensa perdição do vazio. Imensa é a ausência da tua voz.
Pinto de branco a ausência neste leito de sentir.
Os teus dedos finos e frios nas mais intensas das manhãs já não encontro.

Já não há voz, nem toque, nem tempo.
Nem Vento! Há só tormento: o de não te ouvir em mim.

Porque te calas quando abraço a voz no peito?

quarta-feira, março 03, 2010

FRASE



O Silêncio é um esquife de papel numa maré de contornos desfeitos e inquietos.

terça-feira, março 02, 2010

Saco partilhado, saco menos pesado.


Os retalhos que poucos querem são a mala do escritor.

Aqui: http://www.casabiblo.blogspot.com/

segunda-feira, março 01, 2010

Semana da Leitura




SEMANA DA LEITURA

Escola Secundária Padre Benjamim Salgado – Joane.
(02 Março 2010 – Biblioteca da Escola, 15:15) -
Sandra Ferreira.

Letras à solta – capítulos sobre a leitura, em diálogo com a escrita.

Palavra puxa palavra: palavras puxam frases. Frases soltam emoções. Só através da Arte é que o Ser Humano rompe com as limitações do mundo e exprime os seus estados de Alma: escrever é uma Arte, celebração da Vida. A Leitura é um caderno de Receitas do olhar que os sentidos aprisionam na escrita. Ler e escrever – caminhos que abrem mundos para lugares perfeitos.