terça-feira, outubro 20, 2009

Rosas Oblíquas


É alguém que tem meus olhos. Tem-nos desde quando portas se fecham. Carrega-os no dedo, como anéis. Carrega-os como cacos de desejo e safira”
Canção de uma dama na sombra
, Paul Celan
Essas rosas oblíquas ofertadas sobre o epitáfio que agora te cobre murcharam. Não murcharam por causa do Tempo. O Tempo já nada pode. Murcharam no silêncio da tua ausência. Partiste e a casa construída sobre a rocha desmoronou. A harpa perdeu a beleza. Morreu o som. Quem pediu este silêncio? Quem matou o som? Quem entregou a Caronte os ecos do teu olhar guardados nas entrelinhas das linhas das minhas mãos?
Essas rosas oblíquas murcharam sem te ver. Murcharam sem ti. Murcharam ao sentir essa pedra fria que hoje te veste. Essas rosas oblíquas entrelaçadas pelos nós do Vento são o que do nosso plural restou. E são pouca coisa. São a pouca coisa que de nós restou: cinzas na memória. E até as cinzas oblíquas, entrelaçadas pelo Vento, o Tempo de nós afastou.
Murcharam as rosas. Findou a vida. Nesse epitáfio que hoje és há ainda algo que busco no teu rosto e não te sei. Nos silêncios que guardo em mim há palavras por dizer, gestos por soltar, há uma eterna procura: encontrar-te nas rosas oblíquas que murcharam. Há sempre algo a acrescentar, levantar as pedras e ver o que das cinzas, que já não o são mas um dia foram, restou.
Essas rosas oblíquas ofertadas sobre o epitáfio que agora te cobre murcharam mas há ainda voz nelas, um último suspiro, um som à procura de liberdade; eco descosido de um olhar cativo na eternidade do desassossego dos amantes.

terça-feira, outubro 13, 2009

Carrossel da Ilusão em alto mar.


“Quando nas horas melancólicas do dia não ouvires mais os lábios da sombra (…) Então sorri pela última vez, tristemente, a tudo o que outrora amaste. Sorri tristemente...” Quando perderes o gosto humilde da tristeza, Manuel Bandeira.
Um caminho. Apenas um. Duas margens. Um mesmo rio. Várias velas. Centenas de centenas de velas. Dois olhares como girassóis à procura do sol: mesma direcção.
Uma história, a mesma história de um poema que vive em cada coração.
Divisão de sílabas sem importância métrica.
Um anel, um selo, uma união. Duas almas ligadas, estradas estreitas no caminho: o mesmo caminho.
A paixão e a ilusão: os abraços do tudo e nada. As avenidas abandonadas onde os abraços se vestem como pomos de ouro no Jardim das Hespérides. Um beijo perdido: dois viajantes, amantes em contramão.
A música, filha da noite, vinda do céu: som entre os sons. Um som. Um apenas: o teu. Eco firme em pouco instante. Intenso momento: somos girassóis, espalhando sementes à procura do sol. Almas que procuram o dia.
Escuridão. Imensa. Infinita escuridão. Meio rosto. Um pedaço de mão. Uma luta. Uma espada no coração, mil e uma velas no chão. Duas almas enamoradas: presas num só corrimão ou talvez no carrossel da Ilusão.

quinta-feira, outubro 08, 2009

Todas as horas da vida

“…as coisas que valem a pena não podem deixar de ter a pena que valem.” Miguel Esteves Cardoso
Disse-me a voz: “Escolhe uma hora.” E eu uma a uma fui escolhendo as horas que o dia tem. Não poderia escolher uma hora, precisava de ti muitas horas – as horas que o dia tem.
Mesmo assim escolhi uma: a hora em que te vi. Depois mandei parar o Tempo. Fechei-o nas gavetas onde mora a ilusão e durante todas as horas da minha vida fui desenhando um retrato no singular.
Todas as horas de todos os dias, da vida, esbocei traços com as mãos da memória e os sentidos do coração e assim, na solidão, soube que eu e tu somos singular. Nunca em nós houve plural.
Sem semente não há fruto. Sem chuva não há amor porque a Terra precisa de água.
No último instante da última hora da minha vida soube que nos descoseram a linha do destino, um dia, numa hora qualquer em que as ilusões saíram do cárcere, das gavetas.
Desde então vagueio pelo mundo. Um mundo sem nós. Sinto-me presa numa espiral: Amor.
Sei que acabamos sempre por voltar aos lugares onde pertencemos.

terça-feira, outubro 06, 2009

O nome

Fui eu que escrevi o teu nome nas manhãs de Outono como quem borda letras num lençol de noivado.