sábado, fevereiro 21, 2009

Da Dor.

Aos que sentem dor.


Um dia desejei ser o castelo nas mãos de alguém: ninguém pode ter nas mãos um castelo - só no coração. Mesmo assim: nem no coração o fui.


Enfrentado mais um medo: uma visita nocturna, ao cemitério, feita há instantes. Depois de visitar o amor da minha vida: a minha madrinha - recém falecida. Tenho feito muitas coisas estranhas ultimamente: encontro-me.


Decidi encerrar este blogue.
Sem, porém, deixar as letras: aparecerei num lugar diferente - com outro eu: morador em mim. Agradeço a tantos nomes que por aqui passaram e quiseram saber sobre mim: tantos poderia enunciar - não o farei.
Deixo-vos um texto diferente: da dor. Há dor em mim: tanta. Só a dor me ajuda a crescer. Dor cada vez mais intensa – “quem assiste à decadência de quem ama: faz da decadência do outro, a sua também”. Dor: assistir à podridão do corpo, aos cheiros nauseabundos - ainda que naturais das escaras- do tio-avô, às incapacidades de urinar - com a ajuda das nefrostomias e urostomias- artificiais e exigentes: se não forem despejados os sacos colectores de urina: as escaras nas costas agravam e o penso da urostomia descola. Dor: na alimentação por sonda gástrica: se não injectar alimentos, o tio-avô não vive. Dor: ver a sensação de fome no olhar do tio-avô e saber que os alimentos devem ser ligeiros, específicos e administrados com água. Dor: na sonda quando entope. Dor: quando os enfermeiros mostram uma anestesia à própria dor e não executam o trabalho com eficácia. Dor: quando corro o dia todo para conseguir ter duas horas para o meu eu. Dor: sentir que sou útil - ajudando os outros, esquecendo-me do eu. Dor: quando o cateter do tio-avô se desprende e exige um internamento no hospital. Dor: no olhar do tio-avô - olhar cego. Dor na boca do tio-avô: perdeu a fala. Dor: ao trocar as fraldas: constatar que somos nada. Dor: pelo nada que os outros são - desligam-se dos tios-avós: "sentem medo e falta de coragem em ver"- dizem. Mas, ver o quê? O que seremos um dia: a dor que acumulamos desde o nascer? Dor: por não ter só um mas, dois acamados: a tia-avó. Dor: jamais os conseguirei abandonar. Gostava: não consigo. Não me sei dessa forma: libertadora - seria! Dor: a falta de lucidez da tia-avó que não reconhece o meu eu. Nem se lembra do meu nome! Dor: pela cegueira da tia-avó. Uma cegueira desde o nascimento. Há tanta dor em mim. Para além dos sonhos de uma papoila, existe dor: muita dor. Anónima dor, sem forma: prolongada no tempo. Disforme dor – com tantos rostos e nomes. Há tanta dor em mim como há Amor. Não quero mais dor. Dor: sentir a dor. Reconhecer a dor. Fazer da vida: dor - sentida decadência dos outros em nós. Nem só de Amor vivem as Almas: também de dor.
Há em mim tanta dor. Tão grande. Imensa. Intensa. Infinita: dor.
Aqui fica o meu agradecimento ao leitor. A promessa de o revisitar num outro lugar: sem escrever nunca respiro: não sou.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

ATALHOS DE DOR E AMOR

Quando nos metemos nos trilhos da vida: perdemo-nos em nós – perde-se a voz, morre o rosto; cresce o desgosto. Vasculhamos o dentro e o fora: vazio – nada achamos que nos preencha. Enrosca-se em nós a Vida: voltamos à posição fetal – saudade do Ser. Uma gota vem do oceano – fica no coração – lenta e serena - até que a noite aconteça e o frio invada o que restou de um nós solitário e oco. Pinturas sem Alma. Retratos de dor: ilusões vãs, basalto lascado.
Dobro-me como um corpo perdido nas ameias da emoção: deixo falar o destino. Aprendo Sentidos novos: jamais nos devemos meter por trilhos na ânsia de encontrar o Caminho. Vil ilusão! O Caminho não existe. Por mais contornos que o Homem seja: tudo é pura ilusão. Enganam-se emoções na esteira do que prende: uma palavra, uma frase – simples amontoado de letras. Pedras de uma calçada demasiado gasta que, o Ser a que tudo se entrega, teima em pisar: sem nunca a paz encontrar. Avança a dor: o medo do escuro. Abandono: puro abandono. Lenta e amarga solidão.

Dois passos de dança errante. No chão a capa do amante. Um amontoado de sentidos dispersos. Sorte sem autor.

Deito os meus braços fora dos braços do Anjo que me guia: só quero silêncio. Não quero mais prazer: quero viver. Quero Ser: em vida tudo o que a minha Alma quiser Ser. Ainda que para isso tenha mil vezes de morrer. Que eu morra e que já sem vida desfaleça outro Ser que viva, ainda, em mim. Que cesse a chuva. Que o fogo queime tudo o que me assombra. E que das cinzas desse fogo nasça ouro escondido em mim. Porque de prazeres não se alimenta uma Alma: no sofrer ponho um fim. Vai. Corre. Anuncia. Diz a todos: abandonou-te o Anjo. Não queres mais ser assim. Uma Alma perdida é isso mesmo: abandono, rejeição. Mas, a mesma Alma que rejeitas jamais sairá do teu coração porque uma Alma perdida depois de habitar um Ser nele gosta de se demorar. Por isso a Morte teima em a vir buscar. Não te resignes: saibas aceitar. Uma Alma perdida é um pedaço de mar. Muitos a podem Sentir, poucos a saberão degustar.

domingo, fevereiro 08, 2009

PESSOA SINGULAR

Aos que me fazem especial: poucos – tu.

E se eu morrer antes de te encontrar? Escreverás o epitáfio – o meu epitáfio? Colocarás uma flor – quero apenas uma – sobre mim? E já num corpo inerte, frio; rosto abandonado – darás um beijo? Serás capaz de, ainda, sentir o que viveu em mim enquanto vivi?
Se eu morrer antes de te encontrar: escreverás o epitáfio – nosso. Não te terei encontrado em vida. Em vida poucos encontram o Amor: quase ninguém - alguns. A flor: uma única que quero sobre o meu caixão – flor do Desencontro. Sei que a colocarás - desde que te conheci – a flor viveu sempre em mim: nem a Morte arrancará o que outrora foi uma semente. Com a Morte – a minha, a semente germinará - só a ausência enceta em si o sabor verdadeiro.
Todos os beijos que deres no corpo – o meu – serão imensos. Beijos imensos que não se podem já dar, apenas sentir.

Só o sentir é a resposta às perguntas que vivem em nós – nada a não ser o sentido. Nada.

sábado, fevereiro 07, 2009

IDENTIDADE


Quem Sou?
Pergunta sem resposta
Escrita sem pontuação
Dança inacabada

Sou loucura
Medo
Prazer

Filha de um deus qualquer
Alma abandonada num cais de renegados
Escara por cicatrizar
Sou semente à espera de germinar

Quem sou?

Sou cálice de vinho
esbeirado
aberto
Mal degustado

Sou a que não tem dono
Parente da solidão
Sou pequena
Sem embalos: criança sem já o ser.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Dança inacabada

-“Toca-me. Nunca pares a meio de um toque porque no toque eu sinto outro mundo em mim: o teu”. Às vezes criamos mundos dentro dos mundos de alguém mesmo sem sabermos ao certo quem é ou de onde vem. Sabemos apenas que criamos mundos pelos odores, pelos gostos, pelas visões que o outro mundo tem. No teu caso, seduziu-me o toque do teu olhar ao cruzar o meu com desdém. Desafios que só a Alma aceita. Ontem apetecias-me: de um gesto só. Hoje muito mais do que isso. Nunca, depois de teres partido, senti um toque tão sibilino como o que me ofereceste nesse dia em que a bailarina foi gerada no meu Ser. Sentia uma dança, emoções no peito, passos novos dentro de mim: um pouco de ti. Todos os meus movimentos eram coordenadas de uma bússola desorientada – mas bela. Confusão de Sentidos. Só mais tarde desta dança que tivemos e que continuou em mim depois de partires a conheci. Uma musa. Também ela se distingue pelo toque e às vezes quando ela me toca sinto o teu toque em mim. Toda ela é um hino de Amor e cada fio negro dos seus cabelos tem o toque dos teus cabelos que um arquitecto, o das palavras, desenhou nas tábuas onde ela hoje dança. Olho o chão que ela pisa, onde ela se deita e sinto cada gemido nas ranhuras negras de cada tábua, tal como tu quando dançaste outrora em mim. Talvez a dança gere dança. Talvez.
Passados anos continuo a ver crescer a dança daquela noite: dança inacabada. Nunca mais dancei mas foi dançando a vida em mim. Parei. Expectante. Extasiei-me com olhares mendigos, com mãos nunca tão frias como as tuas, as que saboreei: mero cruzamento o dos outros em mim. Hoje sei que nunca estiveram no meio de mim, nem nunca tiveram um meio em mim. Partiste e só passadas muitas horas de incerteza recebi o teu papel: partitura inacabada. Dor sem fim.
Mas, sei que do outro lado do sítio onde moram as Almas com toques singulares tu continuas a dançar para mim. E eu olho para o alto sitio que te alberga e peço que me leve também a mim: quero continuar esta dança.

Nas partituras inacabadas há uma saudade crescente; passos de dança inquietos que pedem Morte, se necessária, para voltar a Ser gente. Sem Amor, sem o saber dançar nenhum Ser poderá a Paz alcançar.

domingo, fevereiro 01, 2009

Chão de Amor

Abro os braços. Volto a ouvir a melodia dos deuses. Nesse lugar pouco visitado sei que me esperas do outro lado da Vida. Tantas ruínas restam desse lugar onde já mãos tocaram, olhos entraram, bocas beijaram, corações se uniram. Nada resta: vazio. Uma lembrança, apenas. Já gastas pelas intempéries dos sentidos guardam as pedras essas cores aveludadas que tingimos ao amar. Hoje na solidão, sinto paz. Vejo as colunas deste templo outrora erguido. Quanta beleza brota das mãos do que ousa criar. Quanta beleza sem par. De negro trajo desço do céu; o mesmo que um dia foi teu. Vejo que deixaste as portas abertas: marcas de uma saída a correr. Deixaste a vida, morreste antes de mim. O que sei de ti guardo no meu Ser como lembranças do que poderia ter sido: não dito ou não vivido. Ao tocar a primeira pedra deste edifício que um dia tu foste e eu também fui em ti, ao pisar cada tábua ou o que delas resta neste chão de Amor voltei a usar o mesmo vestido – tinha flores vermelhas: papoilas. Lembro-me como amavas esse vestido, os botões pequeninos do decote forrados de veludo, os bordados dos bolsos: nunca mais consegui guardar nada num dos bolsos do vestido. Nele guardei o papel que colocaste, sem que eu me apercebesse, antes de teres saído deste templo vazio que hoje visito: sou. Jamais poderá o Tempo apagar as letras que desenhaste para que os meus olhos lessem, as minhas mãos tocassem e o coração sentisse. Viverão para sempre como uma tatuagem no meu peito. Quando acordei, senti o aconchego das tuas mãos na manta que colocaste para me aquecer mas um desconforto, uma ausência de luz, ao reparar que tinhas partido. Nunca entendi porque o fizeste. Esperei dias, meses, muito tempo por um sinal teu. Até que duas Primaveras volvidas voltei a usar o mesmo vestido. A saudade chamou por ele: vesti-o e cada toque dele na minha pele era diferente. No final desse dia, um gesto, um desejo: meti a minha mão num dos bolsos e vi um papel com umas manchas amarelas: o teu papel. Palavras tuas – chorei. Lá fora a chuva chorava comigo. Nunca mostrei esse papel a ninguém: epitáfio dos nossos sentidos.
Porque há palavras que só o nosso coração entende e só ele deve guardar.