terça-feira, novembro 24, 2009

AS LINHAS DO LOUCO

“Os anjos e os poetas são os únicos que não se riem dos loucos”. Mário Quintana

Um louco na solidão com um lápis na mão?
Um louco. Um louco escreve. As linhas do louco: um louco escreve linhas nas palmas das palmas das mãos de um destino que se escapa a cada linha que escreve. Cada linha é uma tábua e sobre ela se apresenta a nudez do louco. O louco desenha, letra a letra, um destino que se escapa a cada linha que escreve. São pedras nas linhas do tempo que o louco vai ditando.
Há loucos que tratam o lápis na mão como tesouros. Há humanos, outros humanos, que não sabem o valor de uma frase, escrita com o suor da paixão e guardada com serenidade no coração.
Um louco colecciona pétalas numa gaveta que poucos conseguem abrir. Um louco não precisa de chaves para guardar os seus bens porque ninguém lhe reconhece valor. Um louco ama a Terra que pisa como os outros, humanos, amam os diamantes.
Dança com a lua como um lobo enamorado numa paisagem sem som, sem nome e partilha a noite com tudo o que traz no coração porque sabe que nada é em vão.
Um louco com um lápis na mão?
Acabou de escrever cada linha, letra a letra tatuada de sentir, que tu lês com os olhos mas ele, louco, escreveu com o coração.

quinta-feira, novembro 19, 2009

A Voz do Amor


Deus descansou ao sétimo dia para que os poetas tivessem voz e nela morasse o Amor.

segunda-feira, novembro 16, 2009

Abandonou-te a dor

"Romeu, após um abraço beijado: Oh! Os teus lábios apagaram os pecados dos meus!
Julieta: E os meus lábios guardaram para eles o pecado que encontraram nos teus..."
Shakespeare, Romeu e Julieta

Choveu. Choveu na casa abandonada. A chuva ainda cai no piano em ruínas. A casa abandonada por todos, menos pela chuva – melodia.
As velas acesas no altar. Uma procissão de sentidos no coração. Os bancos do templo que és: vazios. O chão frio e escuro. Muito frio. Imenso escuro. As paredes altas e inertes.
Em toda a casa a sombra das sombras que estão em ti, que te habitam e assombram.
Um barulho. Estridente. O que foi? Um tufão? Bateu uma porta?
Bateu a porta. Foi o poeta. O poeta zangou-se com a vida, arrumou as palavras nas gavetas. Fechou as gavetas com a chave, Ilusão, deitou a mesma chave de todas as gavetas no mar. Afundou a tentação e a indigência dos sentidos.
Morreu? Morreu o poeta?
Dizem que quando as palavras fogem, o poeta morre. Morreu?
O poeta partiu. Partiu com as ondas dos mares do Sul. Partiu e nunca mais ninguém o viu. Nas fímbrias equóreas esmoreceu sentidos de dor.
Punição das Erínias? O novelo do destino que se desfiou?
Ninguém sabe. Só o poeta sabe. Mas ninguém sabe o que o poeta sabe. Ninguém sabe que ele sabe.
Apenas a chuva que hoje o visitou e o piano que ao recebê-la chorou sabem o que a alma do poeta para sempre guarda neste templo vazio.

sábado, novembro 14, 2009

Sonho-te.

“ Ao vê-la, não pude deixar de tremer e de murmurar para mim mesmo: eis um Deus mais forte do que eu, que chegou para me dominar”. Dante Alighieri

Eu disse: “Anjo”. E vi a tua imagem.
Disse: “Casa”. E mostraram-me uma estrada de pó desfeito.
Disse: “Amor”. E senti um odor tão perfeito – puro néctar dos deuses.
Disse: “O amor é eterno”. E vi a tua imagem numa estrada de pó desfeito, de barro sem cor. Estrada infinita. E senti um odor tão perfeito que não sei descrever – puro néctar dos deuses.
Hoje, muito tempo passado, sentada neste banco de jardim com as folhas do Outono ao meu lado, sei que sonhei. Foi um sonho. Foi longo este sonho sem sono.
Mas, todos os dias eu visito este banco, enamoro-me deste sonho: espero ver-te chegar como um Anjo que regressa a casa depois de ter procurado a outra metade do amor.

terça-feira, novembro 10, 2009

Apenas um traço no escuro.


Dulcia non meruit qui non gustavit amara

Quem? Quem te disse que o Amor findou?
Quem o disse nunca amou.
O Amor não acaba nem com a Morte.
Sabes porquê?
A Morte é, apenas, um pedaço de noite maior.

sábado, novembro 07, 2009

Enigmas do Sepulcro


“Tudo isto tem significado para o teu presente.” Vergílio Ferreira, in 'Escrever”

No silêncio te amo. Sei-te de cor mas já não te vejo. Perdi-te. Sem te saber tão magoado arruinei-te e, tu, meu Templo de Jerusalém, desmoronaste cada esquina que tanto amei e amo porque te sei.
Não te vejo e dói.
Frio.
Infinito.
Amargo.
O sentimento que hoje dança com a dor nos braços: frio, infinito e amargo.
Quem sou para te desmoronar?
Quem sou?
“Nada fiz para te magoar.” – Diz a voz da defesa.
“Quem és tu para saber o que vai dentro de mim? Só eu sei o que me fizeste doer, em mim, ou não.” – Diz a voz sob a penúltima pedra cadente.
No silêncio te amo. Neste silêncio sepulto tudo o que amo porque aqui estarão todos os tesouros que um dia levarei comigo e na solidão eterna serei, talvez, uma metade de amor: a metade que ficou por viver.

segunda-feira, novembro 02, 2009

Aos nomes maiores que a vida tem

“Como te extingues em mim: ainda no último e gasto nó de ar estás lá com uma faísca de vida.” Paul Celan

Um cheiro que dói. Cheiro que traz a saudade de ver quem já partiu. Cheiro que invade o cheiro da saudade da visão de quem foi morar noutro lugar, longe do meu coração. Cheiro do toque. Um cheiro que invade o nosso cheiro. Cheiro amargo que se mistura com o nosso próprio cheiro nos dias de grande solidão. Dor de não saber como estão todos os mortos que comigo caminham, lado a lado, nestas imensas veredas que a vida tem e que um dia amei. Rostos que a luz apagou, fechados na clausura de olhares intensos, gestos aprisionados na eternidade. Na maior eternidade que existe: a eternidade do amar. Há nomes que a morte não consegue apagar, nomes que ela não rouba à vida, nomes que me fizeram sorrir como bengalas que apoiam os ombros cansados nos caminhos da existência.
Um cheiro que dói mais do que a própria dor. Um cheiro mais intenso que o aperto de um abraço perdido. Um cheiro, um apenas, suave, intenso e imenso: capaz de conter nele todos os nomes dos que um dia amei e de todos os cheiros de prazer que comigo ainda se hão-de cruzar.
Farrapos amargos de fina cambraia envoltos num laço gigante de amor. Farrapos eternos que a noite traz aqui. Farrapos que invadem a memória e vêm morar comigo neste casebre de emoções, sem tecto.
Nesta casa de humildes confortos onde a saudade se demora como uma filha querida moram todos os gestos, todos os pedaços de amor ofertados por aqueles que a vida levou. Almas. Peregrinos, às vezes viajantes em contramão (e por isso distantes dos meus ideais) mas que a vida não pode ignorar porque um dia, ainda que sem saber, me amaram com meio gesto, um resquício de olhar igual ou distante do meu, um pedaço de dia dos dias de cada um.
Há nomes grandes, os maiores que a vida tem e esses são eternos para mim porque os amo, um a um de forma desigual, na imparidade de a todos o amor ofertar. São nomes tatuados na solidão que me faz companhia e no silêncio que tanto me diz.
Todos os nomes maiores que a vida tem e o amor eterniza são a minha casa.

ESPADA

A voz do Amor: espada viva na pele dos amantes que tatuam pedaços de choro, segredos, nos panos brancos do leito que os recebe e cobre a vida que os une.