quarta-feira, maio 26, 2010

ETERNIDADE

“Eterno, é tudo aquilo que dura uma fracção de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.”in Reverência ao destino, Carlos Drummond de Andrade

Ao Pedro Abrunhosa: "Longe". Longe na Eternidade do Amar

E quando quiseres que cem anos passem para que possas ser eterna no coração ou nas mãos de alguém, saberás que não estás a ser feliz.
A vida passa-te ao lado e dela só te fica uma cicatriz, uma apenas: a de ontem, a de hoje, a de amanhã sempre na mesma ferida – cada vez maior.
E quando te disserem que cem anos não são eternidade, desejarás recomeçar e talvez queiras morrer no exacto momento em que o teu desejo foi ser eterna, por seres agora infeliz.
E quando quiseres que cem anos passem para que possas ser eterna no coração ou nas mãos de alguém, saberás que não estás a ser feliz.

Cem anos nada são para quem ama de forma ímpar, ainda que todos os anos passem devagar e a eternidade que a Alma busca acabe por não chegar.

quarta-feira, maio 19, 2010

INTENSO AMAR

Aos que procuram a intensidade – uma visão maior do que a Alma

Ele, de capa preta, de sentimentos certos e decididos como quem leva a constância pela mão, embalada pelo coração; na outra mão uma espada fria, cinzenta, escura como são escuros os caminhos que foi desbravando para ali chegar. O sangue por terra, tanto, e do tanto se faz pouco. Os arbustos cortados por terra como quem arranca ervas que magoam o coração: tanta força no seu sentir. Imensas batalhas e todas enfrentadas de pé e tão só. Talvez como um casco de barco velho que não afunda, talvez como um grito que mais do que ecoar, estremece. Em cada dedo, tão fino e tão frio leva uma cratera de sentidos que poucos ousaram tocar.
Ninguém sabe o sabor ao sangue, nem aqueles que nos julgam amar.
E nas batalhas, um pedaço de capa deixado por terra – marca de senhor que por ali passou. E já ninguém passa assim, não desta forma. Ninguém tem esta força interior, ninguém ousa lutar. E o sangue sempre mais e a lâmina mais cortante, as ervas tombadas por terra com o desejo quente de germinar. E onde todos vêem um pedaço de arbusto cortado e os dias parecem morrer como flores abertas, murchando, de mãos dadas, com o tempo, ele vê o que outros, tão limitados, nunca poderão ainda que com mil olhos juntos, algum momento enxergar.
Um só caminho, uma imagem sempre presente. A luta para lá chegar: no coração a certeza tão firme como o desejo que traz em si.
No fim do caminho, as duas margens do rio se juntam, mesmo sem haver rio.
Uma mulher. No fim do caminho uma mulher, entre tantas que por si passaram (sombras atrás desta, apenas), nesta mulher um lugar sem onde, o maior que a eternidade tem. A espada cruza a espada: duas espadas por terra. Um pedaço, o maior, que a capa dele tem fica por terra e um rasgo no vestido dela deixa a nudez a olhos que sabem o que buscam, merecem cada toque … A ausência do frio, o nevoeiro que se dissipa, ali: nas duas margens do mesmo rio que nunca teve lugar porque tudo o que é intenso e, por isso, imenso não pode o tempo tocar.
A oração veio dos gestos, o toque dele entrou nela: num simples leito de fetos feito para amar.

E o cheiro a sangue que existe na terra sabe a luta mas poucos lhe reconhecem sabor.

quinta-feira, maio 13, 2010

O EREMITA

“As percepções mais intensas vibram no seu incêndio sem tempo, fogem ao campo minado do pensamento.” Fernando Pinto do Amaral

A todas as pessoas que invento (por isso, só minhas) e que quero conhecer até ao desconhecido de si mesmas.
A Irena Sendler

E por vezes nem mesmo os dias, as datas, nem mesmo os meses estão certos porque há sempre algo mais certo que o tempo: o Amor.
Tudo o que é grande, é intemporal (fora do bem e do mal), ausente das dualidades, por isso: uno.
Tudo o que é intenso é grande, intemporal, irracional: uno.

Ainda que ao teu lado e não me vejas
e nem, por isso mesmo,
eu deixe de te acompanhar: eu não deixo cair o véu que me torna invisível.
O mesmo véu que sabes estar lá.
- Dá-me um abraço. – Pede-lhe, de novo.
- Não, não te dou o que queres só porque queres. – Responde-lhe.
E ela sabe, então, que não se deve aprisionar os sentidos, deve-se transcendê-los por saber que ele,
o dono do abraço,
será sempre o ponto mais longínquo que ela consegue avistar.

Tudo o que é intenso, poucas coisas e nelas as maiores que o mundo tem (conhecidas ou por descobrir), é grande, maior do que a pauta da música mais bela: vive sem pausas.
A pausa vive no tempo.
Nunca a intensidade terá pausas – a intensidade é um incêndio intemporal que poucos conhecem. A intensidade deveria ser a, quase, única palavra do dicionário sem definição porque ela vem de um lugar sem onde: como um eremita, fundindo-se num só ponto – uno.
Por tudo isto, tão pouco e intenso, sou como um louco que vive numa floresta, sem pertencer a este mundo: eremita.

terça-feira, maio 11, 2010

SABER CAMINHOS

Como pintor sem tinta, a alma, que escolhe ver o seu reflexo num pedaço de vidro transparente e não num espelho, nunca tem sossego.

sexta-feira, maio 07, 2010

TREVOS DE MAIO


“As falhas dos homens eternizam-se no bronze, as suas virtudes escrevemos na água.” William Shakespeare

No fundo do rio há água que sobe, água que desce.
Há água que parou.
No fundo do rio como em tudo na vida há o que se vê, o que não se vê e o que apenas alguns olhares sabem alcançar: no rio que somos.
No fundo do rio um peixe pinta o mar de azul, às vezes tinge o céu quase da mesma cor, às vezes acrescenta-lhe nuvens. Outras vezes, tantas, as nuvens choram.
No fundo do mesmo rio alguém inventou a noite e colocou estrelas-do-mar a dançar nas ondas do mar e no céu estrelas cintilantes que velam os sonhos guardados no fundo, mais fundo, do rio – como se o rio fosse um baú e o mais fundo fosse um conjunto de gavetas em sentido decrescente.
Há tantos rios quanto de humano o Homem pode Ser e nesta geografia de sentidos que vai do rio ao mar não há fronteiras, apenas água. Tanta água quanto maior é o sentir.
E tudo nas ruas desses rios vem de um lugar fora do Tempo, sem data nem nome, onde a fuga ao Tempo acontece e os Trevos de Maio nascem.
E nestes rios somos barcos de papel.

terça-feira, maio 04, 2010

Dez máscaras de gelo

(imagem de Isabel - Macapi)
"Depus a máscara e vi-me ao espelho.
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara."Álvaro de Campos, in "Poemas"
Lá longe um pássaro voa. Existe um tronco sem ramos. No bico, o pássaro leva uma folha verde: como quando um humano guarda uma safira num baú.
No chão apenas terra.
Alguém pintou o céu. Alguém se levantou mais cedo do que tu.
Lá longe uma mão. Existe um pedaço do mundo em cada dedo. Na mão, o Homem leva sonhos: como um pássaro quando leva no bico uma folha verde.
No baú um tesouro.
Lá longe alguém colocou uma tabuleta: “Todos os pássaros são bem-vindos”- as mãos estão abertas.
Lá longe, tão longe quanto o longe pode ser, alguém pintou um mundo assim. Alguém se levantou mais cedo do que tu.

Visto por dentro o mundo é assim: dez máscaras de gelo que o céu esconde, por isso chove e ninguém sabe. Às vezes a chuva leva o nome às coisas e delas (dessas coisas) apenas fica o cheiro da existência que essas coisas tiveram, nas mãos das crianças.