segunda-feira, junho 28, 2010

Ao longe chora-se a partida

Há uma voz maior que a do Vento e esse vive em ti. E nas alturas em que a voz do Vento quase parece maior que a tua, tu lês: ofereces palavras. Nessas alturas em que os sentimentos, mesmo amargos e, por isso, de dor, te visitam: tu partilhas as palavras; retiras as que te vão no ser para que os sentimentos, mesmo os de dor, ocupem o seu espaço.
Retiras as palavras de ti. As palavras, retiradas de ti, faltam-te, agora, porque os sentimentos ocupam o seu espaço.
Deixa que demore em ti o silêncio, ofertaste as palavras. Quisera um deus maior, rei e senhor, que as palavras fugissem, que se albergasse em ti o sentimento amargo do luto.
Tu choras por quem já não te vê chorar. És corda solta de um violino ferido.
- “Vamos uma nota mais, a música não pode findar. Só ela, a música pode a morte encantar.”
A partida é feita de pó; o teu corpo de cinzas e o Vento que se ergueu, hoje, mais alto do que a tua voz, não se pode demorar em ti: tem outras paragens e tu não o queres albergar.
- “Ergue-te como uma árvore que alguém plantou. Ainda que a dor te lembre a voz do Vento, lembra-te do deus maior, rei e senhor, que tudo comanda mas que não te pode impedir de ver pássaros que saem da Lua.
Demora-te nos teus sonhos e no escrínio da tua Alma lembra os nomes que te fazem assim.”
Ninguém parte: há cinzas do que outrora fora um corpo nos teus dedos e nas linhas das palmas das tuas mãos.
Alguém inventou outra definição de Eternidade. Hoje sei que a Eternidade é apenas um pedaço de ti, uma sombra do teu nome escrito num resto de papel…

domingo, junho 27, 2010

Da Velhice - coisas minhas

Acerca da palavra "Obrigação":

Num diálogo com um ser humano extra-sensorial, dono de uma inteligência infinita e, por isso, astuto. Talvez a pessoa que me ensina a ser um ser humano melhor e, por isso, também, a gostar mais dele.
Falamos das minhas tarefas de apoio e intervenção diária (compreenda-se dia e noite, se necessário) junto da minha (reclamo o uso do possessivo) tia-avó, acamada há quatro anos ou cinco (já nem conto, todos os dias são longos, imensos e, por isso, me perco); ela, esta tia do meu pai, antes de ter sido minha, tem noventa anos de idade.
E, nesta conversa afirmei: “Se eu não tivesse a minha tia, se eu pudesse bater a porta e fugir! Mas, não posso: onde quer que eu fosse, levaria comigo esta pessoa e nunca estaria melhor.”
E acrescentei: “ é uma obrigação minha cuidar dela.”
Ora bem, gerou polémica: “Obrigação? Coitada da pessoa! Não a tratas porque gostas dela?”
Acrescentei: “obrigação é sofrimento e carinho. São dívidas de afecto.”
Falamos de património herdado: “Duro! Pedra. Frio. Dor.” – pensei.
Que importa se outros, pouco humanos, nada humanos, fazem este tipo de intervenção para receber uma herança? Eu não o faço. Não o faria nunca e nunca o fiz. Poderia utilizar todos os tempos verbais, possíveis e impossíveis, do verbo fazer porque todos eles seriam e são insuficientes para esta “obrigação”.
Fiquei a pensar na palavra “obrigação”, na génese da mesma. Fui à raiz.
Na génese da palavra “obrigada” está o compromisso de retribuir aquilo que nos foi dado. Por isso, o faço – retribuo. Nesta parte fica o carinho: dádiva. E no esforço de todos os dias: o sofrimento.
Nenhum ser humano que trata outro o faz por amor, mas por compaixão. E na génese das paixões vive a dor. Quem ama alguém e se vê na tarefa de o auxiliar, devido à sua decadência e incapacidade, não o faz por amor: é obrigação.
Quem assiste à decadência de alguém, faz da sua vida uma decadência também: quando há afectividade.

quinta-feira, junho 17, 2010

O TEMPLO SEM PALAVRAS


“Não construa o que pode ser apagado pelo tempo, construa para a eternidade.”Robon Rodovalho

Vens com essa linguagem metódica, extensiva, poética – essa meia-dúzia de letras soltas que juntas em ti
como o telhado de uma casa.
Esses desenhos que formam frases
como quem tatua a pele.
Tu és essa linguagem que te habita
que trazes em ti como um irmão pela mão.

Pensas que aproximas, mas afastas.
Queres criar humanidade quando em ti vivem contrários.

Tens de calar. Tens de sentir.
Não escrevas.
Pede um intervalo à eternidade
Deixemos que morram em nós as palavras.
E que o abraço dos nossos corpos
Seja pó que não se desfaz.
Deixemos que morram em nós as palavras.
Não são precisas para amar.
Não, hoje!
Porque a Eternidade mora para lá das palavras,
num templo que os nossos corpos edificam.

quinta-feira, junho 10, 2010

Junto ao Sol, um rio




“Metade de nós é esta ferida da ausência,
o desejo do não-eu, do não-lugar,
a procura na palma da mão das linhas que já lá estiveram ou
que poderiam lá estar.” A Fuga, Nuno Ramos

Sento-me em frente ao mar
e nesta identidade que hoje me resta
apenas vejo um rio.
Faço-me nas palavras porque a vida não basta.
Quando nada sou, tu cabes nas minhas mãos.
E nos lugares onde permanece um sopro eflúvio de infinito: recebo-te, guardo-te
como o melhor: dentro de mim.
Junto ao sol, um rio.
E o que nas ruas fica das vozes ao fim do dia
é um céu sem pássaros.
Asas de gaivotas no mar dos outros
- rio meu-
nomes molhados nas ruas
histórias sem terra, sem água.
Desertos, de quem partiu, nas mãos de quem fica.
Junto ao sol, um rio: ausências narradas.
Devoção no detalhe.
Junto ao sol busco a ternura sem pressa: um rio.
Somos comboios que chegam, vindos de onde e partem para lugares incertos.

sábado, junho 05, 2010

Seremos raiz de orvalho, apenas?


Nos dias em que somos pássaros de papel sem asas – neva.
Nos dias em que não sabemos o que somos
nem os lugares que nos habitam – ouvem-se palavras como cânticos eternos; mendiga-se amor, ou pedaços do mesmo, ou do que se julga ser.
E parecemos pedaços, de pedaços, já despedaçados, de pássaros que se perderam no Outono,
num dos Outonos da vida.
E quando já tarde, ou mesmo noite, nos encontramos nas folhas virgens que o Outono esqueceu
somos pedaços de pó que se ergue ao Vento.
Somos vontade, das vontades, de mais.
E
nas asas de gaivota que o Tempo prende,
nos galhos das árvores como quem esconde tesouros: às vezes se solta o choro.
E choramos.
Choramos sem saber de onde vem o choro. Sem saber porque são frios os Invernos
que trazemos em nós.
Às vezes, só às vezes, somos um mundo tão longe,
Ainda que sejamos pássaros do mesmo céu.
Seremos raiz de orvalho, apenas?

terça-feira, junho 01, 2010

DIA MUNDIAL DA CRIANÇA

Actividade na Biblioteca Municipal Raul Brandão – Guimarães