“para fingir o sono junto ao teu”, in “Lisboa (4), “Horto de incêndio” de Al Berto
Invento que dois ou três pássaros me acompanham, nesta noite sombria. Invento o que me dizem e o que, quase, parecem dizer e para lá das palavras, eles não podem ser pássaros: primeiro porque tudo não passa de uma invenção minha, para afastar a solidão e o negrume, que assombra, noite adentro um coração sensível. Pois os pássaros não voam na noite; apenas nesta dos meus sonhos.
Segundo porque os pássaros não gesticulam palavras mas gosto de os imaginar assim, nesta noite. Imagino, então, que durmo perto desse rio onde limpas o rosto, durante a mesma noite, que a minha, inconscientemente limpam-se rostos durante tépidas noites – poucos sabem. Eu sei ou invento.
Invento-me nas palavras e entrego-me nas asas dos pássaros; já não o são: imagino-os, agora, um coro de anjos, cujas asas meio quebrada me acompanham nestas invenções noctívagas (talvez pela solidão que os anjos também sentem) e escondo tantas outras invenções.
Uma música, um pedaço de tecido fino (Cambraia) porque as asas aquecem, mesmo meio quebradas; imagino anjos e eles, tudo podem – Anjos de Amor, de Luz.
Imagino-te no mesmo rio, não sei se avistas os mesmos pássaros que vejo, devagar, um a um. Não sei se falam contigo, se te sussurram palavras ou se, apenas, eu os invento. Desse lado, deste mesmo rio pouco quero inventar. Invento-me no meu, miragem desse lado teu.
Invento pássaros, nesta margem, e tudo para “fingir o sono junto ao teu”; sono meu.
“Quando o sono demora, imagino e invento o limite das palavras e nas asas de um Condor, abraço-te – ainda mais.” de Sandra Maria Ferreira