DO OUTRO LADO DO MEIO.

“…a razão mais importante de se ir de um lugar ao outro é ver aquilo que há entre os dois lugares…”(The Phantom Tollboth de Norton Juster)
Uma fenda. Abriu-se uma fenda, passageira mas inesquecível, no céu imenso que cobre a casa. Uma fenda maior do que a casa. Cada telha parecia uma pétala de uma flor de vidro. Talvez porque o chão dos dias é feito de flores de vidro, estilhaços. Talvez por outro motivo que alguém prefere calar.
Uma fenda que se abre como um raio que um deus envia do céu: solta-se o gesto. Quem cala: aprisiona. Quem cala: não diz; guarda a voz no peito. E um pássaro, dentro de uma gaiola, sem cantar. Pássaro sem nome, numa gaiola que não chega a ser lugar. E uma gaivota, de asas presas, que almeja voar. E a voz sempre presa no peito.
Esta noite, do tamanho dos dias, abriu-se uma fenda. Uma fenda do tamanho de um mundo: o teu mundo.
As duas mãos fechadas em concha: do tamanho de um buraco – mundo. As mãos como um cálice de gotas de uma chuva que não caiu, chuva que não cai: ainda não. E a chuva muda e presa. E a voz sempre acorrentada no pensamento.
Essas mãos (cálice de chuva) carregam um mundo. Talvez como uma mãe, anónima, mãe entre tantas mães, traz no ventre um filho. Talvez como outra coisa, qualquer coisa sem nome, uma res, qualquer ausência de nome que tu, ou outro ser prefere calar.
A fenda que se abre, as mãos que guardam a chuva e aquele que se cala são objectos nas mãos maiores que albergam os mundos num mundo maior. E os dias, agora do tamanho das noites, guardam os melhores segredos no meio de um oceano onde um pomar de rosas existe.