
Cresci com quatro tias-avos paternas, Rosa, Dolores, Joaquina e Julia. Solteiras com idades entre 70-87. Ensinaram-me a andar, falar, todas noites rezava o terço, pela manha fazia as oraçoes do dia. Na casa delas, a minha casa aprendi a lidar com a cegueira, sendo a mais idosa, invisual desde tenra idade. Com ela aprendi o que nenhuma universidade pode alguma vez dar... Protegeram-me muito, valeram-me nos anos mais dificeis da minha vida, a minha infancia, anos marcados pela dor de nunca ter vivido com os meus pais e de ao mesmo tempo ter de enfrentar duras situaçoes familiares que me levaram a depender de medicamentos para o sistema nervoso, dos quais ainda hoje dependo... Sobrevivi, com magoas e muita fragilidade. So o sofrimento, a dor permite modelar a personalidade... Assim me fui formando. Sempre perdida no meu mundo, incompreendida, cedo despertei para a escrita. Recordo uma gaveta cheia de papeis que eu escrevia, desabafos com o papel, a minha primeira forma de escrita...
Uma escrita nao de inspiraçoes, mas de Sentimentos. Desde sempre os abalos do meu Ser me fizeram uma inadaptada, indecisa... Porem,muito comunicativa, sempre me interessaram os outros, sempre os coloquei no primeiro lugar... Meu Deus, quantas vezes me esqueci de mim? Quantas sao as vezes que ainda me esqueço? Hoje, tenho a mesma dependencia dos outros, nao por mim, mas pelo que eu sou para eles. Dois tios-avos, juntando-se um tio-avo viuvo e sem filhos, as irmas, dependem diariamente de mim para os alimentar, tratar, trocar as fraldas,verificar se sao bem alimentados, fazer compras, ir as farmacias, visitar os medicos, orientar funcionarias, cicatrizar as feridas externas e as internas que os tios vao ganhando... Com eles continuo a aprender, a sofrer, a crescer... Nao precisava de crescer tanto! Tao dificil esta aprendizagem, cujo diploma e o Amor. Nele assento tudo o que faço. Esqueço-me de mim, deito-me a pensar se aconcheguei bem a roupa dos tios-avos antes de os deitar, a noite cai e todas as noites a mesma pergunta me assola: "quando os verei pela ultima vez?" Nao estou preparada, detesto despedidas. Mas algo eu acredito que um dia o Sonho me compensara, as cicatrizes interiores que tenho serao menores e quem sabe eu nao me torne a criança que nunca fui, viva o que nunca vivi, tenha quem tome conta de mim... Talvez ja tenha aprendido a tomar conta de mim, a pensar em mim e deixe que o outro se encarregue de me fazer feliz, quem sabe?
Hoje foi um dia, particularmente, dificil para mim...